domingo, 21 de abril de 2013

Um sentimento - a solidão só e solidão na multidão!



Com exclusividade no Sinal Verde, você confere a íntegra da entrevista concedida pelo diretor do ITCR Campinas, Hélio José Guilhardi, à revista Metrópole, de Campinas. Em pauta, o tema solidão. Parte do conteúdo foi publicada na edição da Metrópole de 24 de março de 2013.
Como conceituar, em linhas gerais, a solidão?
Hélio J. Guilhardi: O sentimento de solidão é doloroso. Ao contrário do que se pensa, o sentimento de solidão não está relacionado com viver sozinho. Uma pessoa pode sofrer com sua solidão em meio a pessoas, inclusive junto daquelas que lhe são próximas: pais, irmãos, parceiro conjugal, filhos, amigos... Também não se espere que as pessoas não sintam solidão em momentos diversos de sua vida, tais como após uma perda afetiva significativa, durante a evolução de uma doença grave, depois de perdas materiais e profissionais expressivas (início de aposentadoria, por exemplo). Sentimentos de solidão desencadeados por eventos específicos são normais e, necessariamente, passageiros. O que pode ser considerado patológico é viver cronicamente com sentimento de solidão.
O sentimento crônico de solidão se desenvolve como resultado de pobreza afetiva, em geral com gênese num ambiente familiar carente de diálogo respeitoso e minguada expressão genuína de afeto. Nesse tipo de contexto, a pessoa não se sente respeitada por aquilo que ela é, não tem oportunidade de expressar ideias, crenças, valores, sentimentos, empobrece seu autoconhecimento, nunca está convencida de que é amada e fica privada de vivenciar seu amor pelo outro, com o outro.
Por outro lado, uma pessoa que vive sozinha pode se sentir bem e se bastar, sem experimentar sentimentos de solidão por razões imaturas. Pessoas pouco afetivas, narcisistas, egoístas, insensíveis à presença e aos sentimentos do outro podem viver em paz a sós. Não são, no entanto, realizadas (podem pensar que sim, pois lhes falta conhecer aquilo de que estão carentes) e seu desenvolvimento é truncado. Um ser humano maximiza seu crescimento pessoal, em especial o afetivo, no exercício da interação social. Uma pessoa emocionalmente madura é aquela que está bem a sós e também se sente plena na convivência com o outro.
Há estatísticas que revelam que há, percentualmente, mais pessoas casadas com sentimentos de solidão do que aquelas que vivem sós!
Hélio J. Guilhardi: É perigoso generalizar: uma pessoa que mora sozinha, mas que desenvolveu plenamente sentimentos de autoestima, de autoconfiança, boa dose de tolerância à frustração, que se sente segura e apresenta amplo repertório comportamental em múltiplas áreas da vida, pode dispensar o casamento, pois não depende do outro para se realizar, para se sentir protegida, para enfrentar os desafios do cotidiano. Como tal, não precisa se casar para se sentir (ilusoriamente) protegida; pode escolher casar-se ou não! Por outro lado, uma pessoa com baixa autoestima, baixa autoconfiança, baixa tolerância à frustração, insegura, com limitado repertório comportamental para lidar com os desafios do dia a dia, tem necessidade de se casar. Não está apta a escolher aquilo que lhe parece melhor, nem de se aproximar de pessoas que sejam melhores para ela. Casar-se, nestas condições, não é uma escolha; trata-se de uma necessidade, determinada por suas carências e limitações. E o casamento raramente supre os déficits, que devem ser superados de maneiras mais apropriadas. A pessoa se casa e, nesta condição, continua vulnerável, pois a relação do casal não é caracterizada pelo desenvolvimento de ambos através de influências recíprocas. O que melhor define tal relação é dependência. Uma pessoa dependente está sempre vulnerável e sentirá contínuos sentimentos de solidão, mesmo acompanhada!
Há ganhos em se viver sozinho? Quais limites da solidão devem ser respeitados?
Hélio J. Guilardi: Viver sozinho pode ser uma boa oportunidade para a pessoa melhor se conhecer, para testar seu potencial emocional e de atuação nos confrontos cotidianos, para exercitar o sentimento de liberdade, para expandir a capacidade de tomar decisões, encarar seus medos e incertezas, assumir riscos e não delegar para outrem a responsabilidade por suas ações. É bom e necessário conviver consigo mesmo, a sós. Por outro lado, é graças à interação com outras pessoas significativas do seu dia a dia que o senso crítico se mantém agudo, que a reavaliação contínua de seus pensamentos e atos se faz necessária, que surgem oportunidades para aprender e acelerar seu desenvolvimento pessoal, que são testadas as capacidades de se enternecer, de colaborar, de doar, de ceder, de pospor ou renunciar a privilégios, de se tornar humilde. Ninguém se desenvolve sozinho com a mesma magnitude e qualidade daquele que se relaciona com seu próximo. O desenvolvimento pessoal tem muito a ganhar com o necessário equilíbrio entre saber viver sozinho e saber viver com o outro.
Como uma pessoa pode se preparar para viver sozinha?
Hélio J. Guilardi: O preparo para viver sozinho é cotidiano. Deveríamos estar continuamente vivendo sozinhos e acompanhados. Você não precisa se isolar das demais pessoas, romper um vínculo afetivo, dissolver laços familiares etc. para então viver sozinho. Rodeado por pessoas, com sólido vínculo afetivo, no seio de uma família funcionalmente madura, você deve exercer também o dever (note que não falo em exercer o direito) de viver sozinho. São ambas facetas de um mesmo conceito – viver a sós e viver com pessoas – que compõem o pleno desenvolvimento individual. Se as circunstâncias da vida lhe forem adversas e não lhe sobrar opção de viver com pessoas, você, desta forma, tendo vivido uma experiência a sós-junto, estará preparado para prosseguir sozinho sem se desnortear, sem se desequilibrar com danos profundos. No entanto, não se deve almejar a solidão. Nenhuma circunstância deve ser considerada a priori como condenação à solidão. Há múltiplas maneiras para minimizar a solidão imposta. As pessoas devem cotidianamente exercitar variabilidade comportamental e criatividade para não se deterem diante de acidentes e imprevistos. As possibilidades de rearranjar os rumos da vida são incontáveis e oferecem possibilidades para evitar que alguém se condene a uma vida solitária. Optar pela vida solitária, então, nem pensar!...
Quais os perigos de se viver sozinho?
Hélio J. Guilardi:As pessoas solitárias são mais propensas à depressão e a não reconhecer mais as qualidades e a potencialidade que a vida oferece. Trata-se de uma forma de depressão que se diferencia da depressão clinicamente rotulada como doentia. Nesta, a pessoa quase que literalmente desiste de viver. Trata-se de uma manifestação de depressão tão drástica que a pessoa perde a autonomia para se cuidar e alguém tem que conduzi-la para um tratamento... A forma de depressão a que me refiro é menos intensa quanto aos sintomas e pode ser, por isso mesmo, negada. A pessoa não perde a autonomia para decidir o que é melhor para ela e, como tal, impede que outras pessoas a ajudem. No entanto, tal autonomia é apenas aparente. A pessoa acredita que escolhe se isolar, que escolhe não mais se divertir, que os componentes da vida não são significativos: que as cores se tornaram cinzentas, que os risos são hipócritas, que o amor é ilusão, que viver é durar e não desbravar e desfrutar...
Além das preocupantes e graves mudanças afetivas, como expostas acima, a pessoa solitária inicia um galopante processo de atrofia intelectual, de raciocínio, de expressão verbal, de conhecimento. Em casos mais graves, há alterações nos processos neurofisiológicos do organismo, que antecipam doenças e chamam pela morte.
As decadências afetivas, comportamentais, sociais e de bem estar físico avançarão irremediavelmente se não houver uma intervenção. O fato de os avanços dos danos serem graduais atrapalha a percepção da pessoa, que não tem consciência de seu declínio e, como tal, resiste a aceitar ajuda e repete: “Estou bem assim... Deixem-me em paz!”.
A melhor solução é preventiva: variabilidade comportamental, permanência ativa no convívio com o outro, busca ativa – por decisão individual e por sugestão do outro – de desenvolvimento pessoal em múltiplas áreas. Gostar de si, gostar de pessoas. Gostar da vida é um processo ativo e tanto melhor quanto mais conscientemente ele for cultivado.
É se comportando que melhor viveremos; jamais esperando o que a vida tem a nos dar.
Ela disponibiliza quase tudo; não nos dá nada!
Fonte: Jornal Sinal Verde - nº 63 - ITCR
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Publicado por: 
Flávia T. Leite Moris CRP 06/76942
flavia@iccmarilia.com.br
Psicoterapia Cognitivo Comportamental - Adultos





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